Resenha: A Pequena Sereia e o Reino das Desilusões - Louise O'Neill

"Meu pai preferiria me enterrar nas areias movediças a me ver feliz com um humano lá acima da superfície, e parte de mim sempre soube disso. Devo obedecer as regras dele, ser uma boa menina e viver a vida que ele escolheu para mim. Vou aguardar meu fim aqui neste reino de ilusões, o dia em que minha alma vai se dispersar nas ondas e alimentar os peixes."

 A Pequena Sereia e o Reino das Desilusões, é uma releitura do conto de fadas sombrio de Hans Christian Andersen. Nessa edição publicada pela DarkSide, a autora Louise O'Neill reconta a famosa história da pequena sereia com um olhar feminista.

O livro conta a história de Gaia, a filha mais nova do Rei dos Mares. Gaia vive em uma sociedade completamente machista, onde as sereias não possuem direitos, elas são vistas apenas como um objeto, e suas serventias se baseiam em serem lindas e obedecerem seus maridos (todos arranjados). O Rei dos Mares tem sete filhas, mas Gaia é intitulada pelo próprio pai, como a filha mais bela, e isso faz com que tenha uma forte competição entre as irmãs tornando-as rivais.

"Os homens não precisam ser bonitos. […] Eles não são afetados pelo peso das pérolas; seus movimentos são uma fração mais velozes do que o das sereias, seus membros relaxados. Livres."

Gaia sonha em se livrar do controle do pai e do seu noivo que tem idade para ser seu avô, por isso, ela está bem empolgada com seu aniversário de quinze anos, quando finalmente ela vai conhecer o mundo de cima. Assim que ela chega na superfície, ela se depara com uma festa que estava acontecendo em um barco, e automaticamente ela se apaixona por um humano, chegando até a salvar a vida dele durante uma tempestade que mata todos que estavam no barco. Nos próximos dias, Gaia não consegue tirar o humano da cabeça, até que ela cria um plano para tentar viver ao lado da sua paixão. Mas em troca, Gaia terá que fazer um grande sacrifício, e só sairá viva disso tudo, se conseguir fazer o humano se apaixonar por ela.

"Os homens nunca são chamados de adoráveis. Eles são logo estimulados à maturidade. Ao passo que nós somos obrigadas a nos comportar como garotinhas quando adultas; emanando juventude em nosso vocabulário e em nossos gestos. É irônico, na verdade, sendo que passamos a infância nos esforçando para parecermos adultas antes do tempo."

O livro é intenso, reflexivo e angustiante. Toda a situação vivida no Reino dos Sete Mares, o machismo tratado de forma natural, incomoda muito durante a leitura. E o pior, apesar de ser uma fantasia, várias situações apresentadas na história, são bem comuns no "mundo real". A trajetória da protagonista em busca da sua liberdade é bem interessante de acompanhar, apesar dela ir para o mundo dos humanos, ela não consegue se desprender por completo da doutrina que ela recebeu, sem que que ela perceba, ela continua sendo submissa e usando sua beleza como principal arma de sedução. A leitura é um verdadeiro choque de realidade misturada com fantasia, tornando-a extremamente necessária. A escrita da autora é fantástica, direta e objetiva.

A edição do livro está linda, sem nenhum defeito, aquele padrão DarkSide que nunca decepciona. Eu recomendo a leitura para quem curte fantasia com um toque sombrio, impactante e reflexivo. 


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